Carta XVIII – A Lua
Para Rafael Manfrinatto


Alô? Me ouve daí? Estou com um canto engasgado na garganta e só você pode me escutar, pois me escutas mesmo com fones de ouvido à quilômetros de distância. Estou ouvindo Beirut e só consigo pensar em ti quando ouço Beirut. Lembro das tantas vezes que imaginei tu e teu escorpião entrando em mim por debaixo de uma colcha de retalhos numa cama branca. Lembra? Lembra da cama branca e das escadas de travesseiro? Vejo a lua cheia daqui da janela do escritório do birô de palavras. É lindo como ilumina toda a faixa de mar que temos no recorte desta vista. Não é em escorpião a tua lua? Sim, eu fantasiava sempre a gente se amando ao ritmo de Beirut. Mágico, alto e sensual como os metais das cornetas. Nunca me esqueço quando tu cantou daí “eu como eu como eu como você”, este fato nunca consumado senão nos nossos encontros em Saturno. Tu me estendia amoras daí e elas nos levavam, nus, para um mesmo sonho. Eu também comia cada uma das tuas palavras e me engravidava delas. Um júlio grávido, assim espero, dizia uma das frases que resgatei da nossa pequena âncora xlm. Era das tuas palavras que eu engravidava, Vênus, porque apesar de saber que não poderia nem saberia mais viver esperando que o mistério da Lua se desvendasse e que pudesse tê-lo no Sol de minha Terra, eu continuei comendo tuas palavras, fazendo amor em linhas cruzadas e sonhando, sempre, contigo. Contigo, conosco, com nossas vozes cantando juntas, ritmadas, esta narrativa desconhecida que se criara sozinha.
Deixo aqui este telefonema, Vênus, com esta voz aguda, para que assim, colocando tudo num quadrado, tu entendas que amoras, amoras mesmo, entende, as amoras desta colcha de retalho vieram de ti. Para onde foram desconheço. Sei que deixaram este cheiro fresco na cama e tuas palavras ao pé do ouvido, embora este desejo de mordê-las tenha ficado para sempre perdido com este sonho nunca materializado de viver no teu planeta-regente. Meu Deus, estou dizendo adeus! Alô? Alô? Me ouve daí? É que você não veio e deu de júlio se emprenhar de outro gosto. Sabe? Não, você não sabe e agora me diz como eu te explico isso sem olhos? Ah que esse Beirut nos ouvidos não me deixa abandonar esta vontade tórrida de transar com você numa cama branca ou roxa ou no chão, que seja, numa parede, eu sempre teria Beirut em meus ouvidos nesta transa de Luas, com teu ferrão de escorpião em meu corpo, cravado. Sabe que voaríamos, porque minha lua é alada? Sei que sabes.
Por isso, porque sei que sabes de tudo isso, que bordo teu nome neste recorte, para que nunca penses que passou incólume nas linhas desta costura. Pois se era contigo que dialogava verdadeiramente enquanto tecia essas cartas, contigo divido a autoria deste canto líquido de frutas vermelhas. Por isso também é que repito, solene, agora, nesta secretária digital:

Tua voz
Me faz querer teu corpo

Sempre o fará.
Desde que ouvi teu canto, me apaixonei por ti, Vênus, tu que és narrador e trovador de linhas roxas, tu que és surfista de ondas e sofás virtuais.
Mas parece que sou obrigada a abortar este sonho, para parir Outro.
Me liga?
Claro, claro, é que claro que eu te explico tudo.
Mas me liga de volta?
Hein?
Alô?
Alô? Me ouve daí?