Carta VI – Os enamorados

Tenho uma vida branca
e limpa à minha espera:
(Ana C.)


Não estávamos presos a nenhuma linha, senão a qualquer coisa como a linha do tempo ou qualquer existência que permanecesse nesta. Mas naquele dia eu mostrei que estavas, como nenhum outro, nas folhas de meus cadernos de desenho. Isso porque, desde o começo, sentamos diante daquela parede branca e muda a que no final eu não resisti e lancei, quando já parecia tarde, feito louca, um balde de tinta preta sob as marcas rosa-choque de batom que despretensiosamente inscrevi naquela folha branca de concreto. Eu não aguentava mais calar com tinta branca os meus gritos e comecei abusar das tintas escuras, sobretudo o marrom que fazia questão de obter com a ponta dos dedos, partindo sempre do vermelho. Era a experiência tátil que mais me aliviava naqueles meses que sucederam a tempestade, quando troquei as bancas de caligrafia pelos caderninhos de desenho.
Mas deu de um dia tu apareceres com os olhos pintados de azul. Azul com vermelho dá o quê? Eu respondi: verde. E tu disseste roxo, azul com vermelho dá roxo. Eu não entendi o que poderia significar este tom na história, mas repeti “roxo” com alguma satisfação, já que a cor não me ia mal. O que não andava bem era aquela parede de nada, então, eu não resisti e lancei, tarde demais, louca e melodramática, um balde de tinta preta sob as marcas com as quais despretensiosamente me inscrevi na tua folha branca e muda.
Eu só não sabia que depois estaríamos unidos por qualquer coisa como um nó cego de fita sabe-se lá de que cor. Assim julguei ser. E a decisão era continuar na trilha de mudos convites e destinos de nada ou, então, começar outro desenho com os dois traços que permaneceram no que restou da superfície branca. Foi aí que, novamente sentados, finalmente largamos da folha, da parede, da cama branca, olhamos de lado e demos um laço. Um laço roxo.