I

Tem umas coisas que saem redondas, outras não. Tem textos que sobram, que deixam um fio solto aqui ou ali, tem coisa que a gente fala e não diz, quis dizer a ele. Quis mostrar que o começo não tinha duas pontas, que era apenas repetido e que era assim mesmo, se derramava e às vezes sobrava, deixando texto demais pendurado no varal.

- Por que você está chorando?
- Porque nada será como antes. Nunca mais. Pra sempre agora.
- E isso é triste?
- Só sei que me faz chorar. Capto das horas esse sentimento, esse gosto de última vez, sabe, e fico de nuvem cheia.
-
-
- Por que você está chorando?
- Porque estou ficando mais velha. Porque o tempo me atravessa. Por isso.
-
-
- Por que você está chovendo?
- Porque está nublado, não vê?
- Não.
-
-
- ...

A outra se viu nos olhos da protagonista. E a dona protagonista avistou a senhora destino, que havia sentado ao seu lado naquele dia de acasos e nunca mais levantado, embora não percebesse. E ao mesmo tempo foi como se o passado a tivesse levado ao novo tempo, pois foram as 5 companheiras de infância que lhe conduziram até ali. E depois daquele dia Luíza se fez drasticamente outra, o que a levou novamente para longe das outras 4. Ela, que era a 1ª pessoa, afinou-se com a 2ª - que lhe soava por vezes estranhíssima no modo de conjugar a vida - para experienciar agora, naquele ponto da história, uma 3ª pessoa. Quanta coisa tinha passado e aquilo tudo tinha cara de começo, pois era ainda a primeira leva de texto da nova história, do novo desafio de viver sem rascunhos e do que nunca caberia apenas num livro só, mas que cabia, unicamente, naquele instante, dentro de si.
Luíza estava prenha. De um novo tempo, estava prenha. Quis andar devagar, mas já tinha acelerado o tempo e foi ele quem a capturou para a temporada de esperas, esta mesma de semanas lunares de gestação, quando se prepara outra pessoa e o tempo parece parar para poder assistir, incrivelmente, a olhos quase nus, a germinação, a transformação de semente em broto.
A prenhidão agoniou-lhe. Desesperou-lhe. Julgou-se numa rota torta, pois partia de cálculos e aquele rumo era incerto e misterioso por demais. Na tentativa cega de mover-se, lançou-se às tempestades, navegando sem sair do lugar. Foram muitos náufragos até perceber, nalgum dia de bonança, que o velho marinheiro, como nenhum outro que passou, continuava ali, por vezes molhado de suas nuvens cheias, outras tão seco que capaz de aquietá-la, quase sempre silencioso e ameno enrolando um cigarro de palha no canto do convés, mas com os olhos muito vivos, o corpo todo presente. Neste dia, quando percebeu, soube que era ele a segunda pessoa e quis construir uma canoa para a chegada do terceiro.
Então Luíza assobiou suas memórias de mar, relembrando histórias, que feito ondas não voltam mais, deixando no mar as velhas saudades, frases, promessas. Assobiou as lembranças soprando-as para longe, e pôs-se então a preparar a terra para construir uma casa. Por fim, entrelaçou as mãos às do outro, rodopiou num passo mudo feito pirueta e, sem juras, cálculos e planos, abriu a porta de uma nova vida que estava prestes a nascer.