guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la
Antonio Cicero, "Guardar"

Voltei. Abri a gaveta que havia se tornado um armário. Desenrolei a frota de barquinhos de papel. Decidi transcrever tudo, à caneta. Mas aqueles papéis avulsos não tinham rota. Davam voltas, isso sim. No umbigo, disse um supereu. Não senhor. Suprimi essa parte do texto para não levar outra bronca de Edith e ouvir pela milésima vez que eu não era uma romancista de verdade. De verdade, ela dizia inclinando um pouco os óculos para me fitar, enfática.
Voltando: eu comecei assim, me terminando. Tirei o figurino de personagem - que sou - e me pus a narrar. Era isso sair da gaveta: me pôr nua, me expor à diagnóstico.
Está tudo aqui transcrito, neste rolo de papel, à caneta. É o retrato do artista quando moça. É uma página inteira e só. É um emaranhado de fios. Romance não é mais novelo, tento explicar a Edith. Eles não permitirão, ela diz, em tom de sentença, não te deixarão passar. Eles quem?